Insula Perdita – Desenhos
[Exposição]
Museu Nogueira da Silva, Braga
11 de Maio – 06 de Julho 2019

Depoimento
No começo do século XXI deixamos de conseguir imaginar ilhas.
Insula Perdita é uma exposição de desenhos que representam ilhas, palmeiras em fim de vida e notas de intervenções anónimas. A exposição tem a sua origem em duas histórias. A primeira é a renúncia da ilha australiana de Melville em 2003. A partir deste ponto, acompanha em várias direcções as representações das ilhas que foram abandonadas ou proscritas, ligando diferentes imagens e acontecimentos. Um deles surge da segunda história: o esforço para contrariar o fim anunciado das palmeiras na cidade do Porto.
As ilhas são espaços paradoxais para o pensamento. São também acidentes geográficos. Dificilmente os reconhecemos como ilhas se ficarmos imóveis. Por isso, quando chegamos a uma ilha experimentamos o impulso de a rodear ou subir ao seu ponto mais alto. Podemos fazê-lo numa acção incorporada ou num movimento da imaginação. Só assim um lugar pode ser compreendido como ilha. Na renúncia às ilhas — lugares isolados por definição — cumpre-se a condição que a palavra encerra: as ilhas foram deixando de ser os lugares de desejo para se tornarem nos espaços que a imaginação renega e isola. Há muito que os principais lugares imaginários deixaram de ser ilhas.

Existem com certeza razões para procurarmos a origem das ilhas imaginadas na geografia política do mundo. Há um lugar real onde Ítaca e Ogígia se projectam nos mapas, com outros nomes. Deixei de fora o nome real das ilhas desenhadas. Sem o nome, e representadas pelo desenho do seu perfil como era comum nos livros de navegação do século XVIII, as ilhas confundem-se entre si. Quis ensaiar o movimento inverso com estas ilhas reais, procurando-as agora nas listas de lugares imaginários.

Também as palmeiras foram os emblemas com os quais se ensaiou a promessa de um paraíso. Por isso estão tão próximas do significado das ilhas. São hoje, nos espaços a norte que vieram ocupar, o lugar das contradições que o fim do seu ciclo de vida e a sua vulnerabilidade faz surgir. Comecei a desenhá-las acompanhando o seu desaparecimento na cidade, uma a seguir à outra. No fim, será como se nunca tivessem existido.
Em ambas as histórias desenhei para testemunhar que estas imagens foram realmente vistas e interrogadas; para criar um rumor à sua volta; para as enxertar umas nas outras. Havia um impulso originalmente documental nestes desenhos, ainda que o final tenha sido outro: a mesma necessidade de fixar as coisas e passar tempo com elas que é próprio do gesto que desenha. E de quem caça.

O que me interessa das imagens documentais é a capacidade de se ligarem à existência mais comum. A História, recordava Benjamin, decompõe-se em imagens, não em narrativas. Por isso os documentários são modalidades da ficção. Constituem-se como ligação entre as imagens, testemunhos e vestígios de acções. São arranjos de acções. Mas nem tudo pode ser descrito, e essa é a fatalidade das imagens documentais. Há uma resistência do real que excede a capacidade de representação.
O gesto de quem desenha, sabemos, nunca é neutro, mesmo quando se revela na aparência da neutralidade. Desenhar é um exercício de procura, inconsistente e incerta, que revela padrões e aproxima as imagens, mostrando o que nelas é periférico e entrevisto.
